Em novembro de 2020, a Sinal de Afeto, em parceria com a ADVEG, ofereceu o curso "Roteiro e Consultoria em Audiodescrição de Fotografias Artísticas". Fizemos uma bela parceria com o premiado fotógrafo Gustavo Minas, que nos cedeu todo seu acervo de fotos para os exercícios práticos do curso. Em breve divulgaremos uma exposição virtual acessível com os roteiros produzidos pelas pessoas participantes do curso!
Em um dos exercícios do curso, nossas alunas e alunos receberam três roteiros de AD fotografias tiradas por Gustavo Minas. Os roteiros foram escritos pelos professores Tabuh Correia-Silva e Gabriel Aquino, enviados pelos alunos para pessoas com deficiência visual, que por sua vez nos devolveram suas experiências de recepção.
Mais uma vez vale a pena citar a diferença entre uma experiência de recepção e uma consultoria em audiodescrição. No primeiro caso, as pessoas que são público da AD podem falar de sua experiência subjetiva, de sentimentos, opiniões, gostos pessoais. Já a consultoria em audiodescrição deve ser feita por profissional que, além de ter deficiência visual, estudou profundamente a audiodescrição, suas diretrizes e técnicas, contribuindo assim com a escrita do roteiro e respectivas decisões tradutórias.
A seguir, disponibilizaremos os três roteiros de audiodescrição, mas sem as respectivas fotografias. Propomos aqui que também você vivencie a recepção da audiodescrição. Depois disso, você poderá acessar o link de outra página onde estão as três fotografias.
Fotografia 1: O homem no cinza
Fotografia colorida, em posição paisagem, de um homem em pé na calçada. O homem, de perfil esquerdo, tem pele clara, usa roupa social cinza, sapatos pretos e segura com a mão esquerda uma pasta preta. Na fachada da edificação, ao seu lado, predomina a coloração acinzentada. A superfície da porção central da parede possui recortes horizontais que criam faixas mais escuras. A calçada é feita de pequenas pedras irregulares, acinzentadas, que dividem espaço com três tampas metálicas escuras. A luz do dia incide do alto, à direita, iluminando a parte central da fachada, exceto em uma área onde é projetada uma sombra diagonal, à esquerda da foto. O corpo do homem está iluminado dos ombros para baixo, e sua cabeça está mergulhada na sombra.
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Experiências de recepção:
“Muito interessante a forma que é detalhado esse tipo de fotografia. Tive a impressão de uma descrição profunda e delicada. Também observei que a pessoa que ler, deve conhecer um pouco de fotografia, como por exemplo o uso da "posição paisagem". Somado tudo, achei muito envolvedoras e ricas as informações. Não posso deixar de dizer também, que achei diferente a frase usada sua cabeça está mergulhada na sombra.”
“Audiodescrição objetiva e de fácil compreensão. Foi possível identificar a cor dos sapatos, da maleta, que está vestido com roupa social cinza, o posicionamento da luz e o piso por onde anda. Não notei nessa audiodescrição a informação de fim da descrição. Mas, em geral, gostei, não parece haver nenhuma subjetividade de quem a escreveu.”
"A descrição da foto foi muito boa. Me permitiu ter acesso aos detalhes, como vocês, que enxergam."
“Descrição bem legal. Eu consegui recriar mentalmente a imagem. Por se tratar de fotografia, faltaram as características físicas destes homens (rosto, fisionomia, expressão, cor de pele) e no final fala da bolsa (faltou alguma característica, se ela era de couro por exemplo). Ficou bem objetivo, faltando as características dos homens citados na descrição.”
Fotografia 2: Passos largos
Fotografia colorida, em posição paisagem, de uma mulher que passa por uma calçada. A mulher, de perfil esquerdo, é negra, magra, usa blusa, short e tênis brancos, e leva no ombro esquerdo uma grande bolsa preta. Com suas pernas torneadas dá um grande passo. Ao fundo, um muro rosa goiaba sobre o qual está desenhada a perna de uma mulher de pele branca. Ela usa calça legging rosa e sapato de salto alto também rosa. No alto da foto, um pequeno galho com folhas verdes. A sombra das folhas se projeta à direita, no muro.
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Experiências de recepção:
“O primeiro participante afirmou que a fotografia apresentada remete a uma lembrança do tempo de escola, em que fizeram um projeto para abordar o preconceito racial e o bullying. Segundo esse participante, foram apresentadas várias fotografias do mesmo estilo. O interessante desse relato de experiência foi observar que ele não possuía tanta familiaridade com a audiodescrição. Esse participante possui cegueira congênita, porém, ele nunca tinha sido apresentado a esse recurso em toda a sua vida. Percebi que o participante ficou muito emocionado com a possibilidade de compreender uma fotografia mesmo sem enxergar. Em razão de sua pouca familiaridade com a AD, precisei estimulá-lo a tirar suas próprias conclusões da fotografia por meio da leitura do roteiro. Para guiar a construção de imagem pelo participante, fiz perguntas sobre a foto, a fim de que ele conseguisse de algum modo criar um repertório, se acostumar com a AD e compreender o valor que a AD pode ter no dia a dia da vida desse usuário.”
“O outro participante que realizei a experiência é um usuário fiel da AD, possui vasta experiência com a fotografia, visto que este é fotógrafo profissional e compreende o quanto uma foto pode ter um valor artístico. Esse indivíduo afirmou que na AD faltaram elementos que descrevessem a mulher negra, dando ênfase por exemplo às características físicas dela. Porém, ele destacou que o fato de a AD ter enfatizado o tênis branco e a perna branca desenhada no muro chamou sua atenção. Ele afirma que as lacunas deixadas na AD tenham sido de propósito, a fim de, segundo as palavras do participante, “estimular a imaginação do deficiente visual”. Para ele, tudo tem cor. Em suas palavras, ao analisar as ADS ele diz: “Para mim, tudo tem cor. As pessoas têm cor; os meses do ano e os dias da semana têm cor; estados, cidades e países também têm cores”. Ele asseverou que sua memória visual foi preservada e isso o ajuda a compreender e a construir imagens por meio da AD com muita facilidade.”
“Uma fotográfica bonita e bem contemporânea. Fala muito sobre as cidades grandes, capitais. Passa a impressão que a mulher é jovem e bonita. Entendi se tratar de uma foto em contexto contemporâneo e mostra um perfil de mulher jovem. Aqui houve um sentimento de familiaridade, uma sensação de déjà vú, de já ter visto essa imagem antes.”
“Enviei esse roteiro para uma pessoa cega, que é jornalista e atriz, e ela retornou com um áudio o qual transcrevo: Então... Minha sensação, né? O que entendi dessa foto... bom, apesar de ser uma imagem estática, fiquei com a sensação que nela há movimento. Sinto essa mulher em movimento... Mesmo sabendo que é uma imagem parada, para mim ela está se movimentando. Ela está dando um passo... há muito movimento!”
“Enviei a audiodescrição do roteiro dois para uma amiga minha, M*, que tem proximidade com C*, rapaz cego que mora em Planaltina. As impressões de C* foram as seguintes: Gostou muito de imaginar a mulher de “pernas torneadas”; Ficou confuso com a cor “rosa goiaba”, pois sempre acreditou que goiabas eram vermelhas como maçãs. Mary, então, explicou que goiabas eram, na verdade, rosas, e que existem goiabas brancas também; Mencionou que sua impressão era de uma fotografia em uma rua movimentada de uma grande cidade, com muitas pessoas andando ao mesmo tempo.”
“A mulher da foto parece bonita e decidida. Como será que é o cabelo dela? Como assim meu entendimento? Fiquei pensando que o ambiente pode ser alguma rua de São Paulo, uma daquelas residenciais, com muitas árvores. E não muito movimentada."
“Achei uma fotografia bonita. O entendimento foi que se trata de uma mulher jovem. Uma fotografia artística. Senti que a fotografia traduz o cotidiano de muitas mulheres de grandes cidades.”
“O registro da fotografia foi feito de forma espontânea, abrangendo a imagem da mulher contrastando o desenho no muro. A fotografia está bem enquadrada e nos remete a beleza da mulher negra. Na perspectiva do fotógrafo ele conseguiu capturar o melhor ângulo para a sua foto. Sim, senti algo a respeito, na tonalidade da cor do muro descrito como rosa goiaba. A imagem nos remete uma sensação de lazer e descontração em uma caminhada muito tranquila.”
“Consigo visualizar perfeitamente a imagem, vejo até um fim de tarde laranja no fundo, com as folhas dando sombra. Consigo visualizar perfeitamente a mulher negra, imagino um cabelo com turbante e ela andando. O que foi complicado foi o muro rosa, com a perna rosa e o sapato rosa. " (Esta pessoa tem baixa visão, e depois de ler o roteiro, teve acesso à foto, sobre a qual fez novas considerações.) “Não achei a foto muito parecida com a imagem na minha cabeça. Ai na minha cabeça quando fala que a mulher tem a pele branca, eu consigo visualizar o pé e a sandália sendo brancas, e não rosas. Eu falei do turbante porque como a foto não descreve o cabelo, eu imaginei por mim mesma o cabelo.”
“Eu gostei bastante da audiodescrição, é uma foto bem bacana. Contextualiza muito bem o contexto de onde foi tirada a foto. Contextualiza muito bem como ela é, uma mulher com pernas torneadas, de shortinho... aparentemente uma mulher jovem, que se veste de forma despojada. Eu gostei da foto, achei bem interessante. Eu fiquei pensando assim, sabe? só essa questão, é uma mulher jovem? mas aparentemente pelas características, me pareceu. Então, foi isso, minhas impressões da foto. Foi uma ótima experiência de audiodescrição.”
“Pelo que entendi da foto, a mulher está à esquerda do muro, caso fosse vista de costas. Não fica clara a sombra do galho em relação à mulher na calçada. É possível perceber também que não aparece o rosto da mulher, ficando enfatizados o ombro esquerdo, a bolsa e as roupas. O grande passo visto na foto dá a ideia de que ela está passando pela calçada. A sensação que me veio é a lembrança da calçada do local onde trabalho, onde há um muro e também alguns galhos de árvore próximos a ele.”
Fotografia 3: O retrovisor
Fotografia colorida, em posição paisagem, de uma cena urbana. À esquerda, ao fundo, uma edificação antiga, de esquina, dois andares são preenchidos de janelas retangulares altas e estreitas. No térreo da edificação há lojas, na frente das quais circulam pedestres e ciclistas na calçada. A rua é tracejada por faixas de pedestres e outras sinalizações. No primeiro plano, ao lado direito, parte da lateral de um ônibus azul ocupa a metade da fotografia. Pelo espelho retrovisor vemos o reflexo do rosto do motorista, um homem de pele negra. A luz dourada do sol ao entardecer ilumina sua face e cintila nos vidros do ônibus.
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Experiências de recepção:
“A sensação que tive do cotidiano urbano, de uma cidade, a monotonia do dia a dia, da correria dos espaços urbanos não me despertou nada de mais. O ponto de maior interesse com valor mais poético para mim foi a questão do reflexo do sol. Porque o prédio, as pessoas, a bicicleta, a movimentação, o ônibus, são todas situações que a gente já conhece. Quando você, coloca essa parte do sol, que ele cintila no rosto do motorista, que você coloca a cor da pele do motorista, dá mais vida para a foto. Me permite se aproximar mais da realidade que foi capturada nesta foto.”
“Eu gostei da audiodescrição da fotografia porque ela promove uma experiência interessante ao imaginar a cena. É claro que, para mim, esse exercício não é muito fácil pela falta da visão já há muito tempo (cerca de 20 anos). Destaco também que praticamente não tive convívio com a paisagem urbana no pouco tempo em que enxerguei. Pelo que entendi, a imagem é vista do fundo para a parte da frente, como se o ônibus, que está no primeiro plano, estivesse mais em evidência. A fotografia não me traz nenhuma lembrança de algo já visto. Não tive muitas sensações ao lê-la, apenas o que mais me chamou a atenção é o reflexo do rosto do motorista no retrovisor do ônibus, ao mesmo tempo em que a luz do sol ilumina a sua face. Pareceu realmente uma boa construção e escolha fotográfica, inclusive com esse rico detalhe.”
“Enviei o roteiro três para uma amiga e ela disse que gostou bastante, que se sentiu parte da imagem. ela comentou que nunca enxergou e que ao ler a áudio descrição, a sensação foi como se aquelas palavras fossem os olhos dela enxergando. Ela disse ter tido uma sensação de tranquilidade, percebido que a foto parece ter sido tirada em uma área central e que gostou muito da parte que diz sobre a luz refletir no vidro da janela do ônibus e no rosto do motorista. Para ela essa parte pareceu ser muito bonita, remeteu a um sol de fim de tarde sendo refletido.”
“Na minha percepção, a descrição dessa imagem parece representar o final de um dia num centro comercial de uma cidade qualquer do interior de um estado qualquer do Brasil. Tenho a impressão de que o ônibus está parado no semáforo, e o motorista aguarda o momento em que a sinalização lhe permitirá prosseguir com a viagem. Não sei bem por qual motivo, mas essa imagem me lembrou muito a cidadezinha do interior de Minas Gerais onde nasci. Mais especificamente a rua principal, onde estão localizadas uma praça, um colégio e várias construções antigas. Talvez seja pela descrição da construção antiga. Penso que a cidade representada na foto é bem maior que a da minha adolescência, pois na cidade onde nasci não existe transporte público, sinalização semafórica, além de ser muito pequena, cerca de 20000 habitantes. Coisas que pude inferir que devem existir na cidade da foto a partir dessa descrição.”
“Eu escolhi o roteiro 3 e o apresentei à CR*, que é deficiente visual desde a infância, tendo tido um resíduo de visão até aos 23 anos. Hoje, aos 46 anos, ela ainda tem muitas memórias visuais. Este roteiro, foi o primeiro contato que ela teve com a audiodescrição de fotografias. Segundo ela, o roteiro ficou bem compreensivo, tendo dado a ela, condições de compreender o contexto da fotografia. Ela diz ter visualizado com clareza, o fim do dia, a movimentação das pessoas e o ônibus, que para ela, se trata de um ônibus do transporte urbano, pelo fato dele ter a cor azul. Ela diz também que sentiu falta de mais detalhes, como: de algumas das pessoas que apareciam na fotografia, do tipo de comércio que havia no prédio, bem como, a menção de mais cores, inclusive, ela menciona que a única cor que foi falada foi a do ônibus. Ela agradece pela oportunidade de participar, e parabeniza o trabalho de audiodescrição.”
“Achei muito interessante a fotografia de parte do centro urbano de uma cidade, pois me despertou o sentimento da saudade. Me lembrou quando era office-boy há 19 anos atrás e andava muito no centro de São Paulo, e a fotografia me levou pra esse tempo que adorava. Fiquei emocionado!”
“Enviei para *** o roteiro 3. Ela adorou a AD, achou excelentes a descrição e a percepção que pode ter das formas, cores e imagens. Considerou a AD sucinta e ao mesmo tempo informativa.”
“Percebo um ambiente urbano, onde pode haver lojas, prédios antigos. Penso ser centro da cidade estilo de ambiente popular de comércio, barulho de ônibus e tumulto.”
“Apresentei a descrição para a cursista do Mestrado (...), onde atuo como técnica em assuntos educacionais (...), e ela, que é cega (...) me fez o relato por escrito: A descrição da foto me trouxe a grata lembrança de quando estive em Niterói (...). Estava acompanhada de minha professora e Coordenadora do curso que descreveu os prédios como uma “arquitetura antiga e de janelas retangulares altas e estreitas”. Em tempos de pandemia, foi uma saudosa lembrança! Já no trecho: “Pelo espelho retrovisor vemos o reflexo do rosto do motorista, um homem de pele negra. A luz dourada do sol ao entardecer ilumina sua face e cintila nos vidros do ônibus.” Acredito que quem tirou a foto deve estar dentro do ônibus, seria isso?! Em caso afirmativo, foi a única experiência que não tive na passagem por Niterói!”
“Experiência de uma pessoa com deficiência visual que não é consultora: Muito bem descrito. Uma paisagem bacana. Dá a entender que é um bonito dia de verão de final de ano, talvez dezembro, em um momento pleno da cidade. Pessoas caminhando perto das lojas. A foto destaca um motorista negro em um ônibus e o reflexo dele no retrovisor. Muito bem descrito. Lembrou minha infância. Só senti falta de descrição das pessoas no ônibus. Mas deve ser porque não tem pessoas no ônibus.”
“Eu tenho baixa visão e olhando para a foto, percebo que é uma fotografia do centro de uma cidade do interior, onde há pessoas andando de bicicleta, algumas paradas e outras observando. Há um rosto de um homem com uma fisionomia triste no espelho de um carro olhando toda essa movimentação. A audiodescrição está bem clara e condiz com o que sou capaz de visualizar, oferecendo detalhes que enriqueceram a minha construção da imagem.”
Considerações do Professor Tabuh:
Quando elaboramos o roteiro de audiodescrição de qualquer imagem, jamais poderíamos esquecer quem é o público de nosso trabalho. A minha experiência na audiodescrição me faz ter uma convicção: o audiodescritor que convive com pessoas cegas ou com baixa visão tem um diferencial muito importante. É dessa forma que nós nos habituamos a um jeito de perceber o mundo e de interagir com ele. Ler tantas experiências enviadas por uma diversidade de pessoas foi muito enriquecedor!
Bateu aquela curiosidade sobre as fotografias que foram audiodescritas? Conheça as fotos originais!